EXALTAÇÃO DA
LÍNGUA PORTUGUESA
1. CAVALGANDO A PALAVRA
O meu amor pela língua foi crescendo à medida que eu escrevia. Passei os anos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco escrevendo. De repente eu fiquei tão feliz de me apoderar da palavra, e me apoderar da palavra como eu me apoderava, digamos, quando eu andava a cavalo, quando menina. Eu gostava muito de fazenda, do campo. Passei minha infância em cidades do interior do estado de São Paulo. Eu cavalgava, eu sentia a palavra: era o meu cavalo, cavalo indócil. Às vezes empinava, mas ia! Com aquela liberdade, aquela força com que eu ia naquele cavalo, eu queria assim agarrar as palavras.
Lygia Fagundes Telles
– Discurso Câmara dos Deputados, em Brasília, 2000.
2. ENRIQUECER A LÍNGUA AMADA
Hoje,
eu ouvi tanto a expressão que Eça de Queirós dizia em
relação ao português aqui falado: "O brasileiro usa
açúcar no português". Eu diria "sal". (Risos.)
Com todo respeito por Eça de Queirós, escritor da minha maior
admiração, mas é sal o que nós pomos. E isso está
certo, porque com esse sal, pondo de lado qualquer idiotice de modéstia,
talvez estejamos acrescentando, enriquecendo a língua primeira, a língua
mater, a nossa verdadeira língua, que é o português. Eu
repito sempre isso: É o português, sim. Escrevemos o português,
mas o estilo é o estilo brasileiro.
É o nosso
estilo que pomos.
Eu me lembro de
que há muito tempo foi publicado um romance meu, faz uns duzentos anos;
em Portugal: Ciranda de Pedra. E o editor disse bem: "Eu vou fazer o
seguinte: eu vou adequar, vou fazer com que o seu livro, que tem expressões
que talvez escapem aos portugueses, entre na língua portuguesa escrita
e falada em Portugal". Quando fui ler o meu livro, ele ficou outra coisa:
não era nem de uma portuguesa nem de uma brasileira; não era
nada. Não era nada, justamente porque é com o estilo, com este
estilo nosso que talvez possamos enriquecer essa língua amada. É
o estilo, é uma riqueza!
Lygia Fagundes Telles
– Discurso Câmara dos Deputados, em Brasília, 2000.
3. PRESENTES DO BRASIL
Nós
não estamos deteriorando a língua, não! Nós não
a estamos empobrecendo. Ao contrário, nós a estamos enriquecendo!
São idéias, são presentes que o Brasil dá à
língua materna, na sua pureza de Camões, Fernando Pessoa, padre
Antônio Vieira.
Guimarães
Rosa, Grande Sertão: Veredas, coisa deslumbrante! Ele trouxe lá
dos confins de Minas todo um vocabulário estranho, aparentemente inventado.
Não é invenção! As raízes estão
lá. A gente procurando, as raízes estão lá. É
a riqueza, é o que nós podemos dar à língua que
nós amamos, à mulher amada! É o homem tentando engastar
na coroa do seu amor mais uma pedra, mais um enfeite para abrilhantar a língua
nativa.
Lygia Fagundes Telles
– Discurso Câmara dos Deputados, em Brasília, 200
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